VIDA DE AQUÁRIO

 

VIDRO POR TODO LADO.

Compartilhar as coisas da vida, dividir fatos, relatar sentimentos e contar idéias. Atitudes que são normais s e comuns ao ser humano, seja num nível maior ou menor, fazer passar adiante a produção da existência humana.

O problema surge com as disfunções que isso pode acarretar, gerando um indivíduo que se expõe demais ou um que nada expõe. Tudo em exagero faz mal, o exagero é o desequilíbrio positivo ou negativo.

Antes da internet ter se tornado uma realidade bastante franqueada e acessível, já existiam os meios de aparecer e de compartilhar, claro que muito mais restritos e primitivos, contudo, o sentimento era de expor ao máximo de minhas possibilidades tudo que se referisse a mim. Haviam os disque amizade, as revistas de amizade por correspondência, os clubes disso e daquilo.

A vitrine era menor e menos nítida do que hoje e mesmo assim já fazia sucesso.

Com a internet bem no início, haviam uns sites bem mal produzidos de um ou outro fulaninho, haviam os canais de mirc por onde circulavam as cocotas e os playboys de cada canal, haviam os famigerados chats e a coisa ainda caminhava no neolítico virtual.  Ao saltos tecnológicos os habitantes das cavernas virtuais foram, adquirindo mais e mais ferramentas e chegamos ao período de descobrir vida fora da tribo.

Foi o tempo dos ICQ´s, e dos programas de FTP, trocar arquivos  e conversar por mensagens instantâneas, logo depois surgiram os fotologs e o aquário foi aumentando e o vidro melhorando de qualidade, cada vez mais olhos cercando o recipiente transparente.

Dos dinossauros que citei acima, vieram mais tarde os programas de troca de arquivo como napster, audio galaxy, ares, emule e muitos outros, do fotolog veio o Orkut e o ICQ foi quase todo engolido pelo MSN, e as paginas pessoais toscas, bem estas continuaram toscas, entretanto com mais luz e coisas de coisas de camelô, (tipo estas do meu blog hahah), a grande mudança das páginas pessoais foram a inserção e a divulgação de informação de qualidade e extremamente útil.

De modo que para quem sempre gostou de informação e desejava oferecer informação a outros, a internet se tornou uma ferramenta que supera um canivete suíço, dados tantos recursos e utilidades  justapostos.

O PERIGO.

A coisa toda da facilitação do acesso e da expansão das ferramentas, fez as pessoas irem mais à internet do que a internet às pessoas. Como por exemplo o fato de alguns usuários acessarem muito mais conteúdo pessoal, seja seu ou de amigos, conhecidos, do que propriamente a informação, a noticia ou qualquer que seja a data de natureza mais impessoal.

É o caso de quem vive no: Orkut, msn, myspace, face book ou sites de relacionamento. Estes usuários preferem mais o acesso a conteúdo de pessoas.

Isso costuma ocorrer muito fortemente em países de cultura miscigenada, dificilmente você vê esse comportamento entre europeus ou asiáticos, seja pelo fato de desses povos viveram mais comedida e reclusamente, seja por sua cultura ser de muita inibição. Tanto é verdade que sites como orkut fizeram pouco ou nenhum sucesso nestes ambientes.

O fato é que cada vez mais as pessoas estão vivendo a sedução de exporem suas vidas a Deus e o mundo; tudo muito de repente se tornou interessante e necessário, todo mundo tem algo a dizer, todas as fotos tem de ser colocadas a disposição de todos, meus relacionamentos, meus amigos, minhas conversas e tudo meu agora tem de ser seu, dele, deles, dela e assim vai.

Tem muita gente que o perfil de orkut é mais profundo, humano e significativo que a própria pessoa, a vida deixa de ser o motivo da interação e a interação passa a ser o motivo da vida.

Tudo que sou e mais ainda tudo que não sou, vive, respira e existe pra adorar e servir o meu status virtual. O cara muitas vezes é um feioso, cheio de espinhas e covarde, mas no world of warcraft ele comanda exércitos, destrói bestas e é lindo de morrer; a garota vazia superficial, bonitinha, mas extremamente pálida de alma; pega um trecho de poema aqui, outra frase de caminhoneiro ali e pronto, está feito.

Agora ela é um misto de Joelma do calypso com Jô Soares, algo tão deformado quanto inviável de existir.

Eu tenho que mostrar, tenho de falar, de aparecer, tenho de ser isso que não sou, tenho de alimentar esse monstro todo dia com tudo que eu puder ser ou fabricar.

Eu dou de comer e como, visito todos, faço amizades profundas em poucos minutos, amo fotos e me apaixono por páginas pessoais, leio tudo que alguém recebeu de mensagem, vejo quem esta namorando quem, quem largou quem ,…

O indivíduo tá ali, de quatro pra esse parasita, preso nesse aquário existencial, amando tantos olhos virados pra ele, achando que aquilo tudo é bom demais, fazendo da vida um comercial de si mesmo. Comendo vento.

Não há nada de errado em se comunicar, interagir ou seja lá qual for o contato humano. O erro é fazer do contato o motivo.

É como quem deixa de usar o telefone para conversar e passa a ligar pra meio mundo, falando do que não sabe ou entende, declarando amores para o disk pizza, tirando fotos com a drogaria e todo tipo de cena ridícula.

Sai dessa !

Se tudo que você tem a oferecer hoje está hospedado na internet, desista dessa vida e comece outra.

Todo ser humano é capaz das mais belas existências, toda e qualquer pessoa é portadora da possibilidade de uma vida incrível, cheia de significado e profunda. Não deixe que escravizem, que te façam ser oque os outros querem de você.

A vida é pra se celebrada e ser guardada, ser dividida com cuidado e valor, quem sai por aí se dando e se distribuindo , como portfólio, está lançando pérola aos porcos, está dando oque é precioso demais, para seres que não entendem essa preciosidade.

Não faça da vida uma revista Caras, não encare o dom da existência como material pra site.

Tudo é bom e nada é bom. Domine e não seja dominado, lance fora oque te faz mal.

Corte na carne, aperte a ferida e pule fora desse aquário. Você é gente, (eu espero risos).

Quem vive da virtualidade está fadado ao fracasso, tão claramente quanto quem vive submerso, somos seres da terra, da realidade, sensoriais em várias formas que sobrepujam somente a visualidade e a sonoridade.

Veja, ouça e também toque, prove,  aperte e faça da vida um espetáculo de vida.

A vida não espera ninguém.