quarta-feira, 10 de junho de 2009

CÁRCERE DUPLEX

A VIDA DE QUEM SENTE CONFORTO NA PRISÃO.

Prisão é um termo que causa medo. Que seja uma simples prisão de ventre.

A vida encarcerada a despeito do medo que naturalmente sentimos, pode sim se tornar sedutora .

O claustro pode virar lar, as correntes um acessório visual e o uniforme da prisão uma roupa de trabalho. Tanto isso é verdade que muito costumeiramente detentos de longos anos, afirmar não desejarem mais deixar a detenção; o mundo dele agora é aquele e tirá-lo de lá equivale a prender uma pessoa livre.

O pior tipo de cela é a cela que acaba ficando muito confortável . Muito gostosa, agradável, aconchegante e viciante.

Acaba se tornando casa e residência - o domicílio amado do preso.

No caso do Brasil, até ouve-se falar de celas com : celular, notebook , frigobar , Televisão e tanta coisa que acabam mesmo parecendo hotel. O luxo ,a despeito do que muitos pensam , não torna a cadeia mais ou menos atrativa, ora, o livre prefere o barraco do lado de fora do mundo da cadeia, do que o apart-hotel do lado de dentro dos muros da prisão.

Diferentemente do caso anterior, o condenado antigo, esse ama, sorri e decora ele faz tudo pra seu casulo durar pra sempre e existe pra sua clausura, um romântico das barras e algemas.

Pois bem, a prisão de que conversamos até agora é algo didático e real todavia, a prisão que realmente quero tratar é tão real quanto as de cimento e aço. O modelo dela é que causa perigo, pois é extremamente difícil de ser percebida ou reconhecida.

Falo das prisões de dentro , (não da do ventre -risos), de mais de dentro, as prisões que prendem mais que corpo, as prisões de alma, de espírito, de consciência , vida e da humanidade.

A idéia de liberdade é muito comum na boca de quase todos, todo mundo se diz livre e que não deve nada a ninguém, todos se consideram imunes ao cárcere, são libertos e ponto final. A liberdade que estas pessoas se referem é a mais singular e básica das liberdades. Pirulito de liberdade, suco de saquinho sabor liberdade é oque alguns provam e saem falando como quem comeu liberdade no café, almoço, lanche e jantar a vida toda. Liberdade nesse aspecto é poder ir e vir, poder comprar e vendar, poder se expressar e outras coisas que se alguém quiser pesquisar,(duvido que alguém queira), estão nos artigos de I-XII na Constituição Federal da República Federativa do Brasil.

Muito bom poder gozar dos direitos, muito bom poder agir na plenitude da sociedade; convivendo e co-existindo de maneira livre e autônoma. Repito: isso tem gosto de liberdade, mas , é muito pouco!

Qual a liberdade do alcoólatra ? qual a liberdade do empresário work-holic , (viciado em trabalho), ? a liberdade do chocólatra, do cleptomaníaco, do viciado em café, do viciado em sexo,…

A lista é longa, tão longa que nela constam o meu e o seu nome, (se você estiver vivo) mortos não tem vícios.

A vida de escravo é condição de todo ser humano, seja escravo de por exemplo : medo, trabalho, dinheiro, si mesmo, religião,vícios, comida, bebida, consumismo, tristeza, mágoa, passado, auto-estima, ostentação, luxo, lascívia, pornografia, esportes, jogos, hobbys e a lista segue muito adiante. Tudo quanto existe no universo humano pode escraviza-lo.

Nenhum escravo é mais ou menos escravo do que o outro, oque muda é o peso da corrente e o tempo da servidão.

Não se ache melhor do que outros escravos, todos dormimos na mesma senzala e apanhamos todos os dias. O fato é que com o tempo e o acostumar-se com a vida de escravo, alguns acabam pegando gosto pela coisa, digo isso no sentido da pessoa tornar costumeiro o peso que carrega e fazer das privações diárias rotina.

Numa agenda masoquista mais ou menos assim:

Compromissos:

  1. pela manhã encontro com o capataz , logo após trabalhos forçados .
  2. almoçar com os porcos e depois reunião com o chicote.
  3. pela tarde pesquisar meios de reduzir a minha fome.
  4. Buscar meios alternativos de uso das algemas.
  5. pela noite palestra sobre curativos e cicatrizantes.

Dia cheio e muito produtivo.

Parece piada, mas isso ocorre todos os dias, apenas usando diferentes nomes. Chamamos de prioridades, necessidades, desejos, fraquezas, costumes ; é tanto apelido que nem caberia aqui.

A escravidão desejada é terrível, pois o sujeito mesmo que fosse liberto não gostaria de deixa-la. A vida passa e os traumas da prisão vão se revelando: fraqueza, machucados nos pulsos e tornozelos, dores nas costas, morte precoce, cansaço, postura alterada e a vida de quem nessa fase entra, muda radicalmente.

O modo de andar muda, o modo de olhar muda, o modo de falar muda e tudo muda.

Quem vem de fora consegue ver a desgraça montada, entende claramente as chagas e tem nojo daquela cela em que vive seu semelhante, mas aos olhos do escravo amante da escravidão tudo se transforma; a cela ele vê como um cárcere duplex, todo luxuoso, as algemas como braceletes de muito bom gosto e o peso e as correntes dos pés como a última moda desde que ele foi preso , aliás um preso estilista disse:

– algemas e correntes com pesos, nunca saem de moda !

A liberdade só é liberdade se vivenciada de modo completo, senão não é liberdade e sim banho de sol.

Tenho de ser livre de mim mesmo, me controlar e ter o poder de decidir livre e sem pressões oque fazer.

Tenho de ser livre para beber e conseguir parar quando quiser.

Tenho de ser livre pra perdoar e ser perdoado. Como vimos no post CONSPIRAÇÃO CARROÇA e AUTO VOO DOO

Tenho de ser livre para crer ou não em Deus. O medo de Deus é o inicio da religião.

Tenho de ser livre do que os outros querem. Uma vida pautada em agradar outros é certeza de fracasso.

Tenho de ser livre dos meus olhos e do meu coração que devoram e sugam tudo como um aspirador ou um buraco negro.

A liberdade é a descoberta da verdade no nosso cotidiano, não existe o pacote completo da liberdade, diferentemente das Tv´s por assinatura, a liberdade é a tarefa dolorida e contínua de me fazer capaz de escolhas e decisões livres.

A verdade é o maçarico que destrói as cadeias do nosso ser, é a fisioterapia dolorida e pro resto pra vida que torna os músculos e membros normais de novo. Ser liberto dói. Mas compensa. A liberdade densa e que liberta pra fora e pra dentro, essa pouca gente quer, entretanto, os que escolham trilhar seu caminho acabam fazendo da vida uma festa e das mazelas lições e das cicatrizes, marcas de herói de guerra.

Diferente de quem não deve nada a ninguém, os libertos são extremamentes gratos a quem os tenham libertados, sentem-se bem e querem passar a receita pra frente. A diferença do liberto pro habitante do condomínio de cárceres-duplex é essa: não se dizer ou se achar livre de todo, entretanto, amar a liberdade e desejar ardentemente distribuí-la, oferta-la. Vida de espalhar e de ser libertador é a característica marcante do liberto.

Eae, vai se juntar ao povo da verdade ou aos que vivem no Duplex da mentira e não devem nada a ninguém ?

Nenhum comentário: